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O cinema de Pablo Trapero

    Como apontado por Jean-Claude Bernardet, de modo geral, pode-se afirmar que o espaço da autoria é o universo da mesmice; pois, para depurar temas, enquadramentos etc., ao longo de sua obra, o autor tende a se repetir incessantemente.

    Quanto a isso, no caso de Pablo Trapero, em específico, muitas vezes, a cidade de Buenos Aires é reiteradamente representada como um espaço marcado por desigualdade social, violência urbana, corrupção e desemprego. Um olhar, nesse caso, que aparece como parte imprescindível de sua poética em filmes como Mundo Grúa (1999), El Bonaerense (2002), Carancho (2010) e Elefante Branco (2012).

    Em cada um desses filmes, a cidade de Buenos Aires é representada por um olhar distópico recorrente. Desse modo, a dimensão do espaço representado como lugar vivenciado (Certeau) é um dos princípios constitutivos de sua poética. Portanto, a articulação entre espaço como lugar praticado e representação desse mesmo espaço por meio da linguagem fílmica ficcional adquire, na obra de Trapero, um significado distintivo. Como elemento de linguagem e componente estético que ultrapassa a ideia de locação, o espaço presente no universo diegético do diretor surge como uma distinção autoral por se mostrar impregnado pela realidade do cotidiano representado, inclusive, em alguns casos, com um tratamento de tipo documental.

    Uma abordagem que remete, desse modo, ao pressuposto de que o propósito da narrativa cinematográfica não é inventar histórias que se assemelhem à realidade, mas, em vez disso, transformar a própria realidade em história (Ler sobre a perspectiva fenomenológica na obra de Robert Stam – Introdução à teoria do cinema). Os personagens desses filmes são oprimidos pela realidade distópica. Assim, desemprego, corrupção sistêmica, desigualdade social, violência, fuga inevitável e morte são algumas das referências para a construção das identidades fílmicas. Uma abordagem, nesse caso, em que as condições de existência ficcional convergem com o contexto extra-fílmico de uma sociedade historicamente desigual e subdesenvolvida.

    Por outro lado, do ponto de vista técnico, sua obra não apresenta a mesma unidade: há filmes com narrativas de impressões cruas, realistas, e com uma perspectiva mais independente ao mainstream; como ocorre em seus trabalhos iniciais (Mundo Grúa e El Bonaerense). Mundo Grúa, inclusive, tem uma abordagem técnica que se volta para uma ontologia da imagem e que, consequentemente, remete ao Neorrealismo italiano. Em contrapartida, há em sua filmografia outras obras que se caracterizam pela apropriação da cartilha do cinema de gêneros, com simbolismos convencionais de filmes de ação e policial, por exemplo. Carancho e Elefante Branco, nesse caso, atestam isso.

    Sendo assim, o espaço potencializado e atualizado pelo uso, pela vivência temporal dos indivíduos é uma preocupação permanente da obra de Pablo Trapero, e, por isso, se configura como uma marca autoral reconhecível em meio aos conflitos e hibridismos que o caracterizam.

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