Pular para o conteúdo
Início » Posts » Acossado e o cinema moderno

Acossado e o cinema moderno

    Não é incomum ouvir que Acossado, de Jean-Luc Godard, é um marco do cinema moderno. E de fato é. Ainda assim, afinal, o que isso significa ? A ideia de um cinema moderno refere-se a uma matriz narrativa que caminha por um espaço distinto do modelo narrativo hegemônico. Trata-se de um cinema de vanguarda, experimentação, que se liga a uma concepção da modernidade enquanto vetor de ruptura. Novidade.

    Do ponto vista social, a modernidade inaugurou um novo espaço ao consolidar práticas de sociabilidade até então inéditas e ao promover um novo modo de produção, por exemplo. Consequentemente, representou a consolidação de uma nova estrutura social ao romper com a tradição aristocrática edificada com a sociedade de Corte (Elias). Além, evidentemente, de coroar a premissa da secularização (Berger) ou do desencantamento (Weber); sinônimos que referem-se ao mesmo fenômeno da racionalidade enquanto paradigma do conhecimento e da organização do Estado.

    Por tudo isso, a noção de moderno se liga impreterivelmente ao ideal de ruptura. E, do ponto de vista da arte, não é diferente: a arte moderna é aquela que apresenta novidades, inovações, quando comparada com os modelos tradicionais. Nesse caso, com relação ao cinema, em específico, esses modelos tradicionais estão atrelados à matriz narrativa clássica. Um modelo que se sustenta, por exemplo, no ideal de transparência da montagem e em um modo de atuação “naturalista” (no sentido de remeter à naturalidade).

    Por outro lado, como deve ser, o cinema moderno adota uma linguagem opaca, de quebra do ideal de naturalidade, ao propor um cinema que se apresenta enquanto tal e que não mascara a sua essência. Como acontece, por exemplo, com o teatro de Brecht. E com Acossado. Que, com ângulos incomuns, cortes abruptos nas cenas (jump cut) e uso de câmeras portáteis – que permitem movimentos livres – cria um ambiente diegético próprio. Um ambiente, nesse caso, em que a descontinuidade visual, a opacidade da montagem, são traços importantes que criam uma descontinuidade de tempo.

    Tomemos como exemplo a sequência em que Michel e Patrícia passeiam de carro por Paris. Nela, observa-se Patrícia (por trás, em plongée) sentada no banco dianteiro ao lado de Michel, enquanto ele discursa: “amo uma garota com o pescoço lindo, com seios lindos, com uma voz linda, com pulsos lindos, com uma testa linda, e joelhos lindos, mas que é covarde!”. Durante a cena, Patrícia permanece no mesmo enquadramento.

    Através dos cortes abruptos, no entanto, em momentos distintos, percebe-se que o carro trafega por diferentes avenidas da cidade. Uma combinação que, nesse caso, produz, para além da descontinuidade visual, aspecto estilístico principal de Acossado, certa confusão acerca do tempo: sugere que a duração daquele passeio é bem maior do que poderíamos imaginar. Por isso, Acossado é uma das obras mais inovadoras da história do cinema. As descontinuidades, visual e de tempo, imprimem um estilo próprio, incomum. E fazem de Acossado um filme genuinamente moderno.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *